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Bispo, televisão e ilegalidade onde vai nossas emissoras digitais

Bispo, televisão e ilegalidade (Considerações acerca da inauguração da Record News)

É de conhecimento de todos o quão a grande mídia – e indiretamente a visão de mundo de muitos – está absolutamente centralizada nas mãos de muito poucos, supostamente devido ao mero prolongamento da concentração de poder e renda a uma minoria em detrimento da esmagadora maioria da população (cuja minoria costuma denominar esse contraste social cinicamente acomodado Lula e Edir Macedocomo “meritocracia”). No Brasil, a questão da mídia possui ainda mais agravantes – certamente que também ao fato do país ser campeão nos mais variados índices de desigualdade – embora não apenas em decorrência desse abismo social. Mesmo nos países capitalistas mais radicais, como até mesmo o famigerado Estados Unidos – tão criticado com “propriedade” pelos brasileiros – existem determinadas leis que buscam ainda impor um certo controle às corporações, como a lei que impede a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Em síntese, um indivíduo que seja dono da televisão de uma determinada região não pode, ao mesmo tempo, ser dono de um jornal impresso ou de uma emissora de rádio, por exemplo. Já a nossa grande mídia brasileira, sob o poder concentrado de nove ou dez famílias, não possui nem ao menos este tipo mínimo de restrição.

Vemos então não somente todas as variáveis possíveis a favor dos magnatas da comunicação, embora também o governo – o segmento que em tese deveria atuar em defesa dos interesses da maioria (cuja estreita relação com a mídia será discutida num próximo post) – demonstra em uma de suas esferas mais aparentes – as leis – a maneira questionável de como ele exerce o seu poder. Enquanto o brasileiro ainda encontra-se no processo de discussão da questão da publicidade infantil, por exemplo – através do projeto de lei n° 5921/01 – na França, há muito tempo, é terminantemente proibida a divulgação de propaganda de produtos infantis na televisão, bem como a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, a Inglaterra, a Noruega, os Estados Unidos e o Canadá são países em que também existem limites bastante estabelecidos para publicidade infantil televisiva.

Em suma, além das condições sociais e econômicas serem a princípio as mais convenientes à oligarquia midiática brasileira, o governo encontra-se, de maneira geral, diligentemente a favor dos grandes grupos de comunicação (exceto recentes ímpetos ditatoriais censuradores lulistas) e finalmente, as leis são majoritariamente as mais propícias aos interesses dos clãs Marinho, Saad, Abravanel, Civita, Macedo e mais alguns. Poucos. Muito poucos. E agora imagine, se não bastassem todos esses fatores que fazem carecer de sentido toda e qualquer discussão acerca da hipotética pluralidade, diversidade ou mesmo da democratização na comunicação que potencialmente nos traria o advento da televisão digital nacional, e se no meio de todo esse enaltecer revolucionário comunicacional, o presidente do seu país – juntamente com o bispo empreendedor – apertassem juntos o botão que desse início oficial às transmissões de um canal aberto cujo próprio embrião carrega a mácula da ilegalidade?

Ou seja, não estamos agora mais discutindo meramente a questão da ausência no Brasil da lei de propriedade cruzada dos meios de comunicação – de um sujeito que é dono de um jornal também ser dono de um canal de televisão, de uma estação de rádio ou de uma revista semanal. Estamos no olho do furacão da súbita aparição de um canal televisivo que infringe as já tão brandas e generosas leis acerca das concessões (aquelas mesmas que permitem que redes de televisão subloquem este bem público para transmitir conteúdo de benefício duvidoso como a divulgação de produtos à la 1406).

Em outras palavras, diante dos utópicos diálogos no que se refere às possibilidades de democratizar a comunicação através da digitalização do meio televisivo, como se estivéssemos no meio de uma grande oferta de concessão do sinal aberto de televisão, no espectro que antes era ocupado pela Rede Mulher, passa a vigorar, a partir da última quinta-feira, dia 27 de setembro, as transmissões da Record News, transmitida em São Paulo no 42 UHF, a segunda rede de televisão em São Paulo de propriedade do bispo, fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o emblemático Edir Macedo, sem entrar no mérito religioso, um símbolo faustoso que sintetiza com uma grandiosa riqueza de detalhes o poder da mídia brasileira nas mãos de muito poucos. (Vale lembrar que o jornal da Igreja Universal, “Folha Universal”, é considerado o maior jornal evangélico do mundo, com a expressiva tiragem de mais de 2,3 milhões de exemplares por semana, fazendo dele inclusive um dos maiores jornais em termos numéricos do Brasil, batendo de frente com veículos consagrados como Folha de São Paulo e o Estadão).

Record News é Ilegal

E o que o prefeito da cidade disse a respeito no evento da inauguração da Record News? Com a palavra, José Serra:

“Excelente iniciativa. Amplia em muito a diversidade de opiniões e multiplicidade de enfoques”.

Depois, as sempre sábias palavras do excelentíssimo presidente Lula:

“Estou certo que todos os envolvidos na criação da Record News têm competência e dedicação para trabalhar em prol do avanço e maior democratização da comunicação no Brasil”

Para fechar com chave de ouro, o desabafo do bispo Edir Macedo:

“Nós fomos injustiçados* por muitos anos por um grupo de comunicação que tinha e mantém o monopólio da notícia no Brasil. Daí nosso desejo de dar um fim a esse monopólio”.

Lula e Edir Macedo. Uma parceria repleta de afinidades.

* A Igreja do autodenominado “injustiçado” é dona de 2 redes de televisão: a Record, com 63 emissoras, sendo 21 de sua propriedade, e a Mulher, presente em 85% das capitais brasileiras e em cerca de 300 municípios; exporta seus programas para vários países (especialmente para o México, Chile, Panamá, Equador, Venezuela, Colômbia e Porto Rico). É também proprietária de 62 emissoras de rádio no país. No exterior, possui emissoras de rádio e TV em vários países, entre os quais Portugal, Argentina, Moçambique e África do Sul. No que tange à mídia impressa, difunde o jornal Folha Universal (cuja tiragem semanal supera a cifra de 1,5 milhão de exemplares); edita as revistas Ester, Mão Amiga e Plenitude; é proprietária de uma gráfica (Editora Gráfica Universal), e de uma editora (Universal Produções, pela qual Edir Macedo publicou seus 34 livros). No exterior, é proprietária dos jornais: Tribuna Universal, em Portugal; Universal News e Pare de Sufrir (destinada aos hispânicos), nos Estados Unidos; Faith in Action e City News, na Inglaterra; Stop Suffering, na Africa do Sul; Pare de Sufrir, no Chile e na Bolivia; Tribune universelle, na França. Alem disso, é proprietária de uma gravadora (Line Records, que, com dez anos de existência, vendeu cerca de 900 mil CDs somente no ano de 2000) e uma produtora de vídeos (Frame). Fonte: Mariano, 2003; Fonseca, 2003
E no dia após ao fatídico evento, enquanto toda a imprensa focava suas notícias acerca da inauguração da Record News nas declarações do bispo contra a Globo e do presidente sobre a fictícia democratização da comunicação, o Observatório do Direito à Comunicação acompanhava a ilegalidade do nascimento do novo canal de notícias. Segue a notícia na íntegra:


Record News faz uso ilegal de concessão
Diogo Moyses, editor do Observatório do Direito à Comunicação* (28.09.2007)
O presidente Lula foi à São Paulo na noite da quinta-feira (27) especialmente para a inauguração da Record News, segundo canal de TV aberta de propriedade do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Além do presidente da República, prestigiaram da cerimônia o governador de São Paulo, José Serra, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia.
Durante a inauguração, Lula afirmou que a estréia da nova emissora é um passo importante rumo “democratização da comunicação”. Já Edir Macedo, apresentado na solenidade somente como “empresário”, aproveitou a oportunidade para criticar o “monopólio” exercido pelas organizações Globo.
A imprensa escrita deu grande repercussão às declarações de Lula e Macedo. O que ninguém disse, entretanto, é que a Record News faz uso ilegal da outorga da Rede Mulher, cuja concessão está vencida há mais de dois anos. A Record News ocupa em São Paulo o canal destinado à retransmissora da Rede Mulher. A geradora da emissora está situada em Araraquara, interior de São Paulo. Tal geradora – que em tese é quem produz o conteúdo veiculado nas retransmissoras – está com a outorga vencida desde agosto de 2005.
Na capital paulista, a retransmissora da Rede Mulher ocupa o canal 42 UHF e, por se tratar de uma modalidade diferenciada de concessão (chamada de “autorização”) tem sua outorga atrelada à sua geradora. Ou seja, se a geradora tem sua outorga vencida, o mesmo acontece com a retransmissora.
Deturpação do tipo de outorga
Como foi divulgado pela própria emissora, a programação da Record News será majoritariamente gerada em São Paulo. Segundo o blog do próprio canal, “toda a estrutura está montada na sede da Record na Barra Funda, em São Paulo”. Em tese, o conteúdo deveria ser produzido em Araraquara, sede da geradora, e retransmitido para a capital do estado. Com a inversão, utiliza-se uma outorga de retransmissora como geradora e, inversamente, a outorga de geradora acaba se tornando, na prática, uma mera retransmissora, já que em Araraquara será veiculado conteúdo produzido em São Paulo.
O mesmo já acontecia com a Rede Mulher, que produzia sua programação na capital (em estúdio próximo ao aeroporto de Congonhas), e não em Araraquara. O próprio endereço oficial da geradora da Rede Mulher disponível nos sistemas da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações fica em São Paulo (no bairro de Moema), não no interior paulista, apesar da outorga ter sido concedida a uma emissora local.
Duplicidade de concessão
Outra ilegalidade da Record News no uso da outorga da Rede Mulher é em relação à propriedade da empresa que detém a concessão. Um dos únicos limites à concentração de propriedade existentes na radiodifusão brasileira é o limite de uma emissora (por empresa ou acionista) em uma mesma localidade (Decreto 52.795/63). Entretanto, com a entrada no ar da Record News, Edir Macedo passar a controlar diretamente duas outorgas na capital paulista. Em teoria, a Record possui em São Paulo uma outorga de geradora (a própria Record) e uma de retransmissora (Record News), o que não configuraria a duplicidade de outorga do mesmo serviço na mesma localidade. Entretanto, o fato da retransmissora ser, na prática, uma geradora, torna o argumento inválido. Desta forma, a Record passa a controlar diretamente duas geradoras de programação em São Paulo.
Além de possuírem nome fantasia que remete à mesma marca, o próprio website das duas emissoras afirmam se tratarem de empresas da “Central Record de Comunicação”. Na inauguração da última quinta-feira, o bispo da Igreja Universal foi inclusive apresentado como “proprietário” das duas emissoras. Não o fosse, não estaria ao lado do presidente Lula no “aperto do botão oficial” do início das transmissões da nova Record News.
Mesmo diretor
Não bastasse a duplicidade da concessão, a dobradinha “Record/Rede Mulher” chega ao corpo diretor das empresas. Um dos diretores e proprietários da Rede Mulher é também vice-presidente da Record. Segundo Lei n. 4.117/62 (art. 38), a prática é proibida. Uma mesma pessoa não pode participar da administração ou da gerência de mais de uma concessionária do mesmo tipo de serviço de radiodifusão na mesma localidade. Marcos Antonio Pereira é um dos acionistas e diretor da Rede Mulher e vice-presidente da Record.
Procurada pela redação deste Observatório, a assessoria da Record afirma que Marcos Antonio Pereira é somente “diretor estatutário” da empresa. Entretanto, Pereira é um dos principais porta-vozes da Record, sendo citado freqüentemente pela imprensa como seu vice-presidente.
Em relação ao vencimento da outorga, a assessoria da Record, falando em nome da Rede Mulher, informa ter protocolado os documentos para a renovação da geradora da Rede Mulher de Araraquara em março de 2005 e que aguarda a tramitação do processo no Ministério das Comunicações, órgão responsável por encaminhar o pedido ao Congresso Nacional. E, apesar de afirmar que se tratam de duas empresas distintas (a Record, com sede em São Paulo, e a Rede Mulher, como sede em Araraquara), a assessoria da Record assume que o conteúdo da Record News é produzido em São Paulo.
Procurada pela redação deste Observatório, a assessoria da Presidência da República não se manifestou. A assessoria de imprensa do Ministério das Comunicações, também procurada pela redação, informa que os responsáveis por comentar as informações não foram encontrados.
* Colaboraram Bia Barbosa e Cristina Charão.
Arquivado em Concessão, Grande Mídia, História do Brasil, Jornalismo, Mídia de Massa, Televisão, TV Aberta, TV Digital, Via prussiana
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  6. myryam
    gente tv digital e tudo de bom eu vivo sem a minha logo mais so digital vai funcionar eu nao sei porque ai no Brazil nao funciona no meu pais japao qualquer casinha tem uma tvdigital voce ver varios canais ao mesmo tempo 1oo contar com a nitidez da imagem e o maximo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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